terça-feira, 31 de julho de 2012

No livro de São Mateus, capítulo 5, versículos 44 e 45 podemos ler:


"Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem.
Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos."

E quão difícil é para nós esse "orai pelos que vos maltratam", difícil já é o 'não desejar mal aos que nos maltratam'. Conseguimos (com muito sacrifício) não pensar em quem nos maltrata, porém, achamos que isso é "perdoar". Pensamos que não pensar, não ver, afastar-se de quem nos maltrata ou maltratou é perdoar, é esquecer.

Há também quem se aproxima de quem o maltrata, fazendo-se acreditar que essa aproximação é querer bem, é também o "perdoar", o "deixar pra trás" os maus tratos.

Aproximar ou afastar, conviver ou esquecer não significam perdoar e nenhum desses significa "orar pelos que vos maltratam". A oração é maior, a oração vem de dentro, é nosso ser quem ora, não é o que eu quero ser, o que quero parecer, é o que de fato existe, o que de fato sente. É com o sentimento que pedimos a Deus por outrem. Quando fazemos isso por uma pessoa querida é fácil, é prazeroso, mas fazer orações por quem nos maltrata e persegue é difícil e pode ser doloroso.

Mas o sol nasce pra todos, para bons e maus e Jesus ama a todos nós, sem distinção. E Ele nos diz "amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei." (Jo 15, 12). É prova de amor orar por outros. Quando oramos por nossos inimigos estamos provando esse Amor por nosso irmão.

É com simplicidade de coração que se chega a grandeza da alma. É preciso ser simples para permitir a ação de Deus.

Orar por quem nos maltrata é difícil, mas não é impossível quando o Deus do impossível age em nós.

M.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Receita de Mulher


As muito feias que me perdoem mas beleza é fundamental.

É preciso que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture em tudo isso (ou então que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).

Não há meio-termo possível. É preciso que tudo isso seja belo.

É preciso que súbito tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.

É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche no olhar dos homens.

É preciso, é absolutamente preciso que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços alguma coisa além da carne: que se os toque como ao âmbar de uma tarde.

Ah, deixai-e dizer-vos que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro, seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem com olhos e nádegas.

Nádegas é importantíssimo. Olhos, então nem se fala, que olhem com certa maldade inocente.
Uma boca fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.

É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas no enlaçar de uma cintura semovente.

Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes.

Indispensável que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida a mulher se alteie em cálice, e que seus seios sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca e possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas.

Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!

Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas e que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem

No entanto, sensível à carícia em sentido contrário. É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)

Preferíveis sem dúvida os pescoços longos de forma que a cabeça dê por vezes a impressão de nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre flores sem mistério.

Pés e mãos devem conter elementos góticos discretos.

A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face, mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior a 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras do 1° grau.

Os olhos, que sejam de preferência grandes e de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão que é preciso ultrapassar.

Que a mulher seja em princípio alta ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.

Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos ao abri-los ela não mais estará presente com seu sorriso e suas tramas.

Que ela surja, não venha; parta, não vá e que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber o fel da dúvida.

Oh, sobretudo que ele não perca nunca, não importa em que mundo não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade de pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre o impossível perfume; e destile sempre o embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina do efêmero; e em sua incalculável imperfeição constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Vinícios de Moraes